O doutor Simão Bacamarte, médico
renomado em diversas partes do mundo, decide voltar ao Brasil para a vila de Itaguaí.
Lá, aos quarenta anos de idade casa-se com a viúva dona Evarista, mulher de
vinte e cinco anos, sem simpatia e tampouco portadora de grande beleza, pois a
julgava capaz de gerar bons filhos.
Porém, quando isso não acontece
ele acaba optando pelo estudo da ciência como formar de “maquiar” a sua
decepção. O doutor Bacamarte se interessa pela neurologia e passa a estudar a
sanidade humana.
Em Itaguaí, depois de certo
tempo, o doutor inaugura um asilo com o nome de “Casa Verde”, onde os loucos
seriam tratados. Porém o que era para ser um “centro de tratamento” acaba em “terror”,
pois Simão Bacamarte começa a internar pessoas sem nenhum tipo de problema...
Ficou curioso para saber o resto da estória?
Então não perca a oportunidade de
ler o roteiro completo logo abaixo...
O Alienista
Adaptação: Withiana Barros
Personagens:
Dr. Simão Bacamarte, o
protagonista.
D. Evarista, esposa do doutor.
Crispim Soares, o boticário.
Porfírio, o barbeiro.
Padre Lopes, o vigário local.
Sr. Costa e outros figurantes.
Cena 1: INT. Casa do Boticário / Sala.
Narrador:
As crônicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos
remotos vivera ali certo médico, o Dr. Simão Bacamarte, filho da nobreza da
terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas.
Aos trinta e quatro anos regressou ao Brasil. Feito isso,
meteu-se em Itaguaí, e entregou-se de corpo e alma ao estudo da ciência.
Aos quarenta anos casou com D. Evarista da Costa e
Mascarenhas, senhora de vinte e cinco anos, viúva de um juiz de fora, pois a
julgava capaz de dar-lhe filhos robustos e mofinos, porém isso não aconteceu.
Muito decepcionado com o fato de sua mulher não poder ter
filhos, o Dr. Simão Bacamarte se dedicou à neurologia, estudando assim a
sanidade humana.
Dr. Bacamarte:
—A saúde da alma, bradou ele, é a ocupação mais digna do
médico.
O boticário:
—Do verdadeiro médico...
Cena 2: INT.
Casa Verde / Inauguração.
Narrador:
O doutor Simão Bacamarte, interessado em cuidar dos
loucos de Itaguaí, pediu licença ao governo para construir um asilo onde os
loucos se instalariam e seriam tratados, favorecendo também o estudo da tal
doença.
A Casa Verde foi o nome dado ao asilo, por alusão à cor
das janelas. Inaugurou-se com imensa pompa; de todas as vilas e povoações
próximas, e até remotas, e da própria cidade do Rio de Janeiro, correu gente
para assistir às cerimônias, que duraram sete dias. Muitos dementes já estavam
recolhidos; e os parentes tiveram ocasião de ver o carinho paternal e a
caridade cristã com que eles iam ser tratados. D. Evarista, contentíssima com a
glória do marido, vestira-se luxuosamente, cobriu-se de joias, flores e sedas.
Ela foi uma verdadeira rainha naqueles dias memoráveis.
(Pessoas felizes,
comemorando e cortejando D. Evarista)
Cena 3: Ext. Casa Verde
Narrador:
Três dias depois, numa expansão íntima com o boticário
Crispim Soares, desvendou o alienista o mistério do seu coração.
Dr. Bacamarte:
—A caridade, Sr. Soares, entra decerto no meu
procedimento, mas entra como tempero, como o sal das coisas, que é assim que
interpreto o dito de São Paulo aos Coríntios: "Se eu conhecer quanto se
pode saber, e não tiver caridade, não sou nada". O principal nesta minha
obra da Casa Verde é estudar profundamente a loucura, os seus diversos graus,
classificar-lhe os casos, descobrir enfim a causa do fenômeno e o remédio
universal. Este é o mistério do meu coração. Creio que com isto presto um bom
serviço à humanidade.
O boticário:
—Um excelente serviço.
Dr. Bacamarte:
—Sem este asilo, continuou o alienista, pouco poderia
fazer; ele dá-me, porém, muito maior campo aos meus estudos.
Narrador:
E tinha razão. De todas as vilas e arraiais vizinhos
afluíam loucos à Casa Verde. Eram furiosos, eram mansos, eram monomaníacos, era
toda a família dos deserdados do espírito. Ao cabo de quatro meses, a Casa
Verde era uma povoação. O Padre Lopes confessou que não imaginara a existência
de tantos doidos no mundo, e menos ainda o inexplicável de alguns casos.
Dr. Bacamarte:
—Não digo que não, mas a
verdade é o que Vossa Reverendíssima está vendo. Isto é todos os dias.
Padre Lopes:
— Quanto a mim, só se pode explicar pela confusão das
línguas na torre de Babel, segundo nos conta a Escritura; provavelmente,
confundidas antigamente as línguas, é fácil trocá-las agora, desde que a razão
não trabalhe...
Dr. Bacamarte:
—Essa pode ser, com efeito, a explicação divina do
fenômeno, mas não é
impossível que haja também alguma razão humana, e puramente científica, e disso
trato...
Padre Lopes:
—Vá que seja, e fico ansioso. Realmente!
Cena 4: INT. Casa do Dr.
Bacamarte / Quarto
(Dona Evarista jogada na
cama triste)
Narrador:
Passaram-se dois meses e Dona Evarista caiu em profunda
melancolia. O marido a fim de
retira-la desse estado concedeu-lhe uma viagem ao Rio de Janeiro.
Dr. Bacamarte:
—Consinto que vás dar um passeio ao Rio de Janeiro.
D. Evarista:
—Oh! Mas o dinheiro que será preciso gastar!
Dr. Bacamarte:
—Que importa? Temos ganhado muito. Ainda ontem o
escriturário prestou-me contas. Queres ver?
(Ambos vão a uma sala
cheia de ouro)
Narrador:
Deus! Eram montes de ouro, eram mil cruzados sobre mil
cruzados, dobrões sobre dobrões; era a opulência.
Cena 5: EXT Rua
Narrador:
Três meses depois efetuava-se a jornada ao Rio de
Janeiro. Acompanhando D. Evarista foi a tia e a mulher do boticário.
D. Evarista, sua Tia,
mulher do boticário:
—Adeus!
(O boticário e Dr.
Bacamarte dão tchau a elas.)
Cena 6: INT. Casa Verde
/ Escritório
Narrador:
Ao passo que D. Evarista, em lágrimas, vinha buscando o
Rio de Janeiro, Simão Bacamarte estudava por todos os lados certa ideia
arrojada e nova, própria a alargar as bases da psicologia.
Dr. Bacamarte:
—Suponho o espírito humano uma vasta concha, o meu fim,
Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos,
demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o
perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só
insânia.
Padre Lopes:
—Com a definição atual, que é a de todos os tempos, a
loucura e a razão estão perfeitamente delimitadas. Sabe-se onde uma acaba e
onde a outra começa. Para que transpor a cerca?
(Dr. Bacamarte dá um ar
de riso)
Dr. Bacamarte:
A ciência contentou-se em estender a mão à teologia, —
com tal segurança, que a teologia não soube enfim se devia crer em si ou na
outra. Itaguaí e o universo ficavam à beira de uma revolução.
Cena 7: EXT. Rua
Narrador:
Quatro dias depois, a população de Itaguaí ouviu
consternada a notícia de que certo Costa fora recolhido à Casa Verde.
(Pessoas conversando)
—Impossível!
—Qual impossível! Foi recolhido hoje de manhã.
— Mas, na verdade, ele não merecia... Ainda em cima! Depois
de tanto que ele fez...
Narrador:
O Sr. Costa tinha recebido
uma herança que dava pra viver até o fim de sua vida, porém gastou-a toda
emprestando dinheiro aos outros. Sua prima foi interceder por ele, porém acabou
sendo presa também na Casa Verde.
(Prima de Costa implora
para que ele fosse solto)
Cena 8: EXT. Rua
Narrador:
Nisto chegou do Rio de Janeiro a
esposa do alienista, a tia, a mulher do Crispim Soares, e toda a mais comitiva.
D. Evarista era a esperança de
Itaguaí; contava-se com ela para minorar o flagelo da Casa Verde.
(Evarista andando com Padre Lopes)
Padre Lopes:
—A propósito de Casa Verde, a
senhora vem achá-la muito cheia de gente.
D. Evarista:
—Sim?
Padre Lopes:
—É verdade. Lá está o Mateus...
D. Evarista:
—O albardeiro?
Padre Lopes:
—O albardeiro; está o Costa, a
prima do Costa, e Fulano, e Sicrano, e...
D. Evarista:
—Tudo isso doido?
Padre Lopes:
—Ou quase doido.
D. Evarista:
—Meu Marido é um sábio, ele nunca
recolheria alguém à casa verde sem que seja louco.
Cena 9: EXT. Casa do Dr. Bacamarte
Narrador:
No começo a vila de Itaguaí
apoiava a ação do medico, porém os exageros que ele passou a cometer
ocasionaram uma revolta popular. A “Rebelião das Canjicas” liderada pelo
ambicioso barbeiro Porfírio.
(População revoltada)
—Devemos acabar com isto!
—Não pode continuar!
—Abaixo a tirania!
—Déspota! Violento! Golias!
—Abaixo a Casa Verde!
(Bacamarte sai da casa)
Dr. Bacamarte:
—Direi pouco, ou até não direi nada,
se for preciso. Desejo saber primeiro o que pedis.
Porfírio:
—Não pedimos nada; ordenamos que a
Casa Verde seja demolida, ou pelo menos despojada dos infelizes que lá estão.
Dr. Bacamarte:
—Não entendo.
Porfírio:
—Entendeis bem, tirano; queremos dar
liberdade às vítimas do vosso ódio, capricho, ganância...
Narrador:
O alienista sorriu, mas o sorriso
desse grande homem não era coisa visível aos olhos da multidão;
Era uma contração leve de dois ou
três músculos, nada mais. Sorriu e respondeu:
Dr. Bacamarte:
—Meus senhores, a ciência é coisa
séria, e merece ser tratada com seriedade. Não dou razão dos meus atos de
alienista a ninguém, salvo aos mestres e a Deus. Se quereis emendar a
administração da Casa Verde, estou pronto a ouvir-vos; mas se exigis que me
negue a mim mesmo, não ganhareis nada. Poderia convidar alguns de vós, em
comissão dos outros, a vir ver comigo os loucos reclusos; mas não o faço,
porque seria dar-vos razão do meu sistema, o que não farei a leigos nem a
rebeldes.
Narrador:
Dentro de cinco dias, o alienista meteu na Casa Verde
cerca de cinquenta aclamadores do novo governo. O povo indignou-se. O governo,
atarantado, não sabia reagir. João Pina, outro barbeiro, dizia abertamente nas
ruas, que o Porfírio estava "vendido ao ouro de Simão Bacamarte",
frase que congregou em torno de João Pina a gente mais resoluta da vila.
Cena 10: INT. Casa do Dr.
Bacamarte
Narrador:
Certo dia D.
Evarista estava em dúvida quanto ao colar que ela deveria usar e acabou sendo
presa na casa verde sob a justificativa de que sofria de "mania
sumptuaria", não incurável, e em todo caso digno de estudo.
Dr. Bacamarte:
—Conto pô-la boa dentro de seis semanas.
Cena 11
Narrador:
Depois de certo tempo, Simão Bacamarte chega à conclusão
que quatro quintos da população internada tinham casos a repensar. Você pode
imaginar o assombro da vila ao saber um dia, que os loucos da Casa Verde iriam
todos ser postos na rua.
População:
—Todos?
—Todos.
—É impossível; alguns sim, mas todos...
—Todos. Assim o disse ele no ofício que mandou hoje de
manhã à Câmara
Cena 12
Narrador:
O doutor inverte o critério de intervenção psiquiátrica e
trancafia a minoria da população: os bondosos, os leais, os fiéis, os simples,
os sinceros.
Ao cabo de cinco meses estavam alojadas umas dezoito
pessoas; mas Simão Bacamarte não afrouxava; ia de rua em rua, de casa em casa,
espreitando, interrogando, estudando; e quando colhia um enfermo, levava-o com
a mesma alegria com que outrora os arrebanhava às dúzias.
Depois que o prazo estabelecido pelo governo se findou,
foi dado a Simão Bacamarte mais seis meses para aplicação do tratamento. No fim
de cinco meses e meio estava vazia a Casa Verde; todos curados!
Mas o doutor não estava satisfeito; alguma coisa lhe
dizia que a teoria nova tinha em si mesma, outra e novíssima teoria.
Dr. Bacamarte:
— “Vejamos; vejamos se chego enfim à última verdade”.
Narrador:
E cavando por aí abaixo, eis o resultado a que chegou: os
cérebros bem organizados que ele acabava de curar eram desequilibrados como os
outros. Sim, dizia ele consigo, eu não posso ter a pretensão de haver-lhes
incutido um sentimento ou uma faculdade nova; uma e outra coisa existiam no
estado latente, mas existiam.
Chegado a esta conclusão, o ilustre alienista teve duas
sensações contrárias, uma de gozo, outra de abatimento. A de gozo foi por ver
que, ao cabo de longas e pacientes investigações, constantes trabalhos, luta ingente
com o povo, podia afirmar esta verdade: - não havia loucos em Itaguaí; Itaguaí
não possuía um só mentecapto. Mas tão depressa esta ideia lhe refrescara a
alma, outra apareceu que neutralizou o primeiro efeito; foi a ideia da dúvida.
Pois quê! Itaguaí. Não possuiria um único cérebro concertado? Esta conclusão tão
absoluta não seria por isso mesmo errônea, e não vinha, portanto, destruir o
largo e majestoso edifício da nova doutrina psicológica?
Dr. Bacamarte:
—“ Sim, há de ser isso”.
Narrador:
Narrador:
Isso é isto. Simão Bacamarte achou em si os
característicos do perfeito equilíbrio mental e moral; pareceu-lhe que possuía
a sagacidade, a paciência, a perseverança, a tolerância, a veracidade, o vigor
moral, a lealdade, todas as qualidades enfim que podem formar um acabado
mentecapto. Duvidou logo, é certo, e chegou mesmo a concluir que era ilusão;
mas, sendo homem prudente, resolveu convocar um conselho de amigos, a quem
interrogou com franqueza. A opinião foi afirmativa.
Dr. Bacamarte:
—Nenhum defeito?
Assembleia:
—Nenhum.
Dr. Bacamarte:
—Nenhum vício?
Assembleia:
—Nada.
Dr. Bacamarte:
—Tudo perfeito?
Assembleia:
—Tudo.
Dr. Bacamarte:
—Não, impossível. Digo que não sinto em mim essa
superioridade que acabo de ver definir com tanta magnificência. A simpatia é
que vos faz falar. Estudo-me e nada acho que justifique os excessos da vossa
bondade.
Narrador:
A assembleia insistiu; o alienista resistiu; finalmente o
Padre Lopes explicou tudo com este conceito digno de um observador:
Padre Lopes:
—Sabe a razão por que não vê as suas elevadas qualidades,
que, aliás, todos nós admiramos? É porque tem ainda uma qualidade que realça as
outras: - a modéstia.
Narrador:
Era decisivo. Simão Bacamarte curvou a cabeça, juntamente
alegre e triste, e ainda mais alegre do que triste. Ato continuo, recolheu-se à
Casa Verde. Em vão a mulher e os amigos lhe disseram que ficasse, que estava
perfeitamente são e equilibrado: nem rogos nem sugestões nem lágrimas o
detiveram um só instante.
Dr. Bacamarte:
—A questão é científica; trata-se de uma doutrina nova,
cujo primeiro exemplo sou eu. Reúno em mim mesmo a teoria e a prática.
D. Evarista:
—Simão! Simão! Meu
amor!
(Chorando)
Narrador:
Mas o ilustre médico, com os olhos acesos da convicção
científica, trancou os ouvidos à saudade da mulher, e brandamente a repeliu.
Fechada a porta da Casa Verde, entregou-se ao estudo e à cura de si mesmo.
Dizem os cronistas que ele morreu dezessete meses depois,
no mesmo estado em que entrou, sem ter podido alcançar nada. Alguns chegam ao
ponto de conjeturar que nunca houve outro louco, além dele, em Itaguaí, mas
esta opinião, fundada em um boato que correu desde que o alienista expirou, não
tem outra prova senão o boato; e boato duvidoso, pois é atribuído ao Padre
Lopes, que com tanto fogo realçara as qualidades do grande homem. Seja como
for, efetuou-se o enterro com muita pompa e rara solenidade.
FIM
eu gostei muito desse roteiro , pois a descrição das cenas foi muito boa e as falas foram bem distribuídas entre os personagens . Mas, na minha opinião, se a linguagem fosse mais atual o texto se tornaria mas atrativo.
ResponderExcluirMatheus Borges- 2 C
Concordo!
ExcluirO roteiro de vocês estão ótimo, pois, está bem organizado, logo no início vem falando um pouco sobre o conto, um leve resumo. Dividiram as cenas de forma correta e explicaram passo á passo da fala do narrador e dos personagens.
ResponderExcluir( Alana Alves 2°B Matutino)
Gostei, achei legal mas cá entre nós esse Dr. era um tanto quanto louco não acham? Interna pessoas injustamente, a própria mulher a si mesmo...
ResponderExcluirP.S. Esse padre é um tanto quanto fofoqueiro...
O texto foi muito bem escrito, de fato. Mas acredito que se fosse adaptado a uma linguagem mais próxima à atual, já que vcs tinham essa liberdade, a leitura seria mais ágil. Vamos ao filme, para visualizar as "loucuras" desse doutor...
ResponderExcluirLegal
ResponderExcluirBoa noite. Gostaria de saber se podemos fazer uma adaptação e radionovela do texto. Grato. Entrar em contato pelo e-mail ecmalucosbeleza@gmail.com
ResponderExcluirTexto excelente, Parabéns pelo trabalho.
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