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sábado, 21 de maio de 2011

TEXTO 01


Cuidado com os velhos


Um professor criou um neologismo para uma arte (ou ciência) nova: eugeria, velhice feliz. Os gregos não tiveram o otimismo de juntar os dois elementos dessa palavra.01/01/2011 - por Paulo Mendes Campos na categoria 'Artigos'
Andam a mexer muito com os velhos. Que a ciência procure dar-lhes meios efetivos de temperar a saúde, que as leis fixem recursos que lhes poupem penúrias e humilhações, que as famílias os acolham com respeito. Mas querer iludi-los com estimulantes morais, discutir as tristezas deles em público, isso é impertinência. Cuidá-los como crianças, engambelá-los, isso os ofende.
Envelhecer.... Meu mestre, frade franciscano, dizia-nos que mesmo o mais santo dos papas gostaria de ser mais moço. Mas o homem tem que agüentar as conseqüências humanas com orgulho ou raiva: só um velho palerma, indigno da verdade, iria acreditar que não é velho, que a velhice não existe, que a vida é um sorriso.
Os velhos honrados sabem como se arrumar a um canto com pudor e gravidade. Deixá-los. Não precisam de nós, que os aborrecemos com as nossas frívolas consolações. Respeitemos o silêncio da idade; e que nos respeitem mais tarde ou daqui a pouco.
Violar a intimidade da velhice com frioleiras sentimentais, não. Pretender reanimar um espírito mais vivido e amargado e experiente que o nosso é de uma importunidade impiedosa.
Tantos gestos afetivos lesam mais que confortam, tantas solicitudes desastradas arranham feridas latentes. Nosso amor pela pessoa velha não deve ser uma opressão, uma tirania a inventar cuidados chocantes, temores que machucam. Façam o que bem entendam, cometam imprudências, desobedeçam conselhos. Libertemos os velhos da nossa fatigante bondade. Que exagerem, se lhes der vontade, na comida e na bebida, esqueçam de tomar o remédio, fumem, apanhem sol, chuva, sereno. Não chatear demais os velhos. É nas imprudências que ainda encontram o gosto pela vida. Não ter muito juízo é a sabedoria da velhice. Poupemos a eles da nossa aflição. É por não desconhecerem as manhas da vida que tomam de vez em quando uma pitada de insensatez. E é por egoísmo que os moços, sobretudo os filhos, vigiam os velhos como se vingassem a infância.
Algumas frases devem ser banidas: está na hora de dormir; o senhor deve estar exausto; amanhã eu levo a senhora ao médico à força; fique sabendo que está proibida de ajudar a cozinheira; onde já se viu um homem da sua idade se deitar no ladrilho; olhe bem antes de atravessar a rua; vá pela sombra; tome o remédio direitinho; cuidado na escada; quantas vezes eu já lhe disse prá não sair sem agasalho; a senhora não precisa fazer nada que eu sei fazer tudo sozinha....
Esse tatibitate sentimental fere os velhos mais que a velhice. Palavras más, nascidas de um sentimento de amor mal administrado. Mostram que não basta ser bom, é preciso distinguir as bondades que não doam. Não basta gostar para impor-se como senhor. A alma do homem não é tão simples que só o exercício do afeto seja suficiente para satisfazê-la. Respeitemos os velhos sem antipatia, sem o sadismo de certos tipos de ternura.
Mas a verdade é que o mundo está cheio desses sentimentalões estabanados, que entram na intimidade dos outros derrubando e quebrando tudo.

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